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sexta-feira, 20 setembro 2024
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Moralidade da angústia

Como estudante, alguns conceitos abstratos costumam ser lançados ao ar, por vezes displicentemente, pelos professores, e o aluno mediano capta-o por pura decoreba – o suficiente para passar nas provas. Para ser mais exemplificativo, e conveniente com o texto proposto, ater-me-ei à definição de trade-off e sua coirmã custo de oportunidade. Pela minha experiência, tive dificuldade de assimilar tais conceitos e por muito tempo fiz-me do aluno mediano. Vez ou outra acreditava que finalmente o digeri, mas logo me vinha a realidade para me constranger (spoiler alert). Percebi, então, que só sendo capaz de tornar o conceito útil, aplicável na prática que seria, de fato, a comprovação da assimilação completa de tal matéria. Assim, é interessante como, em algumas situações, as coisas se tornam nítidas por meio do mais banal dos eventos. Foi assim, numa perda de ônibus, na ida ao trabalho, que fui capaz de vislumbrar aquela condição. Mas de modo algum vou tratar, neste texto, destes conceitos, mas os utilizarei como meio para levar a sua real finalidade: a moral da angústia.

No dia em que perdi o ônibus, ao pegar o segundo, tive a sorte de no trajeto observar que o primeiro estragou no meio do caminho. A mudança quase relâmpago de minha autopercepção de azarado para sortudo foi totalmente ofuscada pela reflexão que venho imediatamente. Percebi que, embora aquela experiência não tenha sido uma decisão propriamente dita, as decisões funcionam essencialmente como a que experimentei: dentre várias alternativas, conscientes ou não delas, escolhemos uma, aquela que assumimos a mais conveniente. Uma vez escolhida, estaremos expostos as suas consequências e aos seus resultados e, por tabela, abandonamos, automaticamente, todas as outras opções que estiveram disponíveis no momento decisório. Essa é a estrutura básica do processo decisório e é nessa estrutura que surge os conceitos de trade-off e custo de oportunidade – para as pretensões do texto, o risco não será abordado. Agora vem a parte da estrutura das escolhas que me veio à luz pela experiência do ônibus e que me permitiu ter um passo à frente no real entendimento daqueles conceitos. Ao perceber que minha “escolha” demonstrou ser a melhor, foi devido a capacidade de observar o resultado daquela “alternativa abandonada”. Veja: a escolha de qual ônibus pegar se mostra correta se chegarmos no horário correto. A melhor escolha é aquela em que, além de ser a correta, é a que chega mais rápido. E, naturalmente, só poderemos ponderar sobre a melhor escolha se conseguirmos ver os resultados das alternativas abandonadas. Saber identificar as melhores escolhas é, portanto, a capacidade de mensurar o custo de oportunidade, ou seja, os resultados auferidos naquilo que abandonamos em razão de uma escolha. E foi desse jeito que aqueles conceitos abstratos se tornaram um pouco mais tangível para mim.

Expondo essa “pequena” história, chegamos na parte relevante do texto: a reflexão. Sabendo que é preciso conhecer os resultados das alternativas abandonadas, a experiência da tomada de decisão reflete em um impacto psicológico sobre o indivíduo: a geração de afeto positivo ou negativo. Certamente todos não veem problemas quando tomaram a melhor decisão. O impacto psicológico é positivo, é agradável, não coloca sob judice a capacidade do indivíduo. Mas e quando a decisão for a pior? Ou quando a incerteza for grande de modo que o individuo não saiba se tomará a melhor decisão?

Diante de uma possibilidade dessas, de ter tomado a pior decisão, os indivíduos podem se ver com uma resistência a encarar a verdade, isto é, de procurarem, em deliberado, observar os resultados das alternativas abandonadas uma vez que não é comum que o conjunto dessas alternativas fique explicita a nossa vista de modo natural e a todo o momento – a minha experiência do ônibus quebrado foi uma exceção a regra. A conscientização, portanto, de estar dentro do ônibus quebrado em vez daquele que passa ao lado remete ao indivíduo sensações negativas, difíceis de serem digeridas e que coloquem em xeque, talvez, a sua própria capacidade, ou seja, sua autoimagem. Esses afetos negativos podemos chamar de angústias. E podemos assumir que se afastar das angústias é algo natural do homem. Assim, ao escolhermos uma de várias alternativas, podemos ser impelidos a não acompanhar as outras ou, às vezes, de ignorarmos que tínhamos alternativas, em primeiro lugar. Essa cegueira é conveniente e não embrulha o estômago.

Ao caminhar o percurso restante até o trabalho, a pé, ia refletindo sobre as diversas vezes que me via na situação de ignorar as alternativas abandonadas, e constatei que algumas vezes esse motivo era a angústia de saber que cometi um erro. Pensei, por um momento, que devia haver uma razão que justificasse o confronto da angústia, que tornasse seu enfrentamento válido. Ora a ignorância não pode ser uma benção! Buscava, dentro das minhas limitações, uma moral para a angústia. Se a angústia tiver uma moral, ela seria motivada, então, por duas razões: a busca da verdade e o progresso pessoal.

 É uma postura basilar filosófica a busca da verdade. Ela se daria pelo entendimento do melhor ajustamento entre nosso modelo mental da realidade percebida e da própria realidade (se é que existe algo desse tipo), ou seja, é o afastamento da ignorância, dos modelos ou crenças incoerentes ou imprecisos. A angústia, portanto, é o reconhecer-se ignorante. Desse modo, a busca da verdade seria a forma da saída de um estado ilusório, embora confortável, para um mais real, embora custoso. Isso por si só já seria justificável, mas para os pragmáticos, essa busca tem consequências práticas funcionais, que legitimam ainda mais a exposição e o enfrentamento da angústia. E é aí que entra a segunda razão: o progresso pessoal.

Sair do estado de ignorância e, por consequência, expor-se à angústia, permite ao indivíduo uma série de conhecimento sobre si e sobre a estrutura da escolha (perceba que tais conhecimentos estão inseridos na realidade; portanto, a busca da verdade é uma necessidade prévia). Por essa linha de pensamento, que conduzia no restante do trajeto, de 5 minutos, embora feitos de maneira desconexo e fragmentado, percebia que ela, a angústia, era um produto psicológico derivado da dissociação cognitiva enfrentada pelo individuo da quebra da sua autoimagem, da sua crença ou de qualquer modo previamente enraizado que dava coerência e sentido a si e as coisas; desse modo, seria permitido a ele uma análise mais profunda das suas verdades internas ao pensar nos porquês sentia aquela sensação desagradável (que foi motivado, não esqueça, por uma escolha). Dando-o, por isso, a chance de reconhecer-se e validar ou invalidar o que a realidade o confrontou, o que não podemos negar que levará a uma mudança na maturidade do indivíduo. Já em relação ao conhecimento da estrutura da escolha, como no conhecimento sobre si, é efetuado pela revisão dos procedimentos, métodos e modelos anteriormente usados, no entendimento de como o processo decisório funciona (como na experiência do ônibus), de que as alternativas inicialmente disponíveis são relevantes e não são como as provas de múltiplas escolhas das quais somos familiarizados (como Drucker afirma, são percepções diferente da mesma realidade), e outras muitas. Resumindo, o progresso pessoal pode se dar pela razão do autoconhecimento, pela razão dos motivos dos erros e pelas razões conceituais.

Portanto, numa experiência trivial, e bem proletariada, tive a conclusão de que a angústia tem uma moral valida e que, apesar de soar óbvio, a sua adoção prática é difícil por estar em contraste à natureza do homem e ainda mais na interiorização, isto é, em tornar em hábito o que em um, eventual, confronto da angústia surgir como resultado.
Texto: Yuri Mourão – Especialista em Finanças e Controladoria – Ibmec Business School

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