A votação da proposta que regulamenta o porte de arma de fogo para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) foi adiada novamente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Depois de duas horas de debates, na manhã desta quarta (9), senadores com restrições e críticas ao Projeto de Lei 3.723/2019 conseguiram a concessão de um novo pedido de vista da proposição.
Os parlamentares alegaram que o relator, senador Marcos do Val (Podemos-ES), fez uma série de modificações no texto, acolhendo dezenas de emendas — entre elas, autorizações para acesso a armas para uma série de categorias profissionais. Eles afirmaram também que o relator não cumpriu parte do acordo verbal estipulado na reunião realizada em 23 de fevereiro para a realização de mudanças em pontos específicos do texto.
Nesta quarta, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) apresentou uma questão de ordem, pedindo a concessão da vista coletiva. Depois de ter a questão negada pelo vice-presidente da CCJ, senador Lucas Barreto (PSD-AP), ela entrou com um recurso para análise do plenário da comissão, e venceu por 15 votos a 11.
— Na última reunião em que o projeto estava na pauta, o relator apresentou mudanças, e por isso houve pedido de vista. Agora o relator apresenta um novo texto acolhendo mais alterações. Temos um relatório novo que nem sequer foi publicado — argumentou Eliziane.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) também reclamou da situação. E ainda criticou o acolhimento de várias emendas que estendem o porte de armas a mais categorias profissionais.
— O relator transformou o projeto numa verdadeira liberação geral de armas. Esse relatório lido agora é diferente daquele que foi publicado no dia 24 de fevereiro. Se nós, que estamos presencialmente na comissão, já temos dificuldade, imagina quem está na sessão virtual — protestou Paulo Rocha.
O relator, por sua vez, afirmou que tentou acatar ao máximo as sugestões dos colegas para elaborar “um projeto equilibrado e sem radicalismos”. Marcos do Val alegou que as últimas alterações feitas por ele foram resultado de emendas apresentadas pelos próprios senadores. E que o Regimento Interno do Senado não prevê novo pedido de vista por conta disso. O argumento foi defendido também pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA).
— Quando o relator altera por vontade própria o relatório, cabe nova vista. Quando ele altera acatando emendas, não cabe mais. Senão, nunca mais iríamos votar nada aqui. Quem é contra, é só apresentar nova emenda todas as vezes, e o projeto nunca será votado — criticou Roberto Rocha.
Porte para mais categorias
O PL 3.723/2019 é de autoria do Poder Executivo. Em sua tramitação no Congresso, já passou pela Câmara, onde o texto foi alterado, e agora está sendo analisado pelo Senado, onde recebeu 98 emendas. Parte delas têm alvo certo: o artigo 6º do Estatuto do Desarmamento, que traz o rol dos autorizados a ter porte de arma de fogo no Brasil.
Foram dezenas de emendas acolhidas pelo relator, autorizando por exemplo armas para procuradores estaduais, fiscais do meio ambiente, auditores fiscais agropecuários, agentes de trânsito, guardas municipais, defensores públicos, agentes socioeducativos, policiais de assembleias legislativas, oficiais de justiça, peritos oficiais de natureza criminal, integrantes do Congresso Nacional, advogados públicos da União, estados e municípios.
Conforme as emendas apresentadas e o que foi aceito pelo relator, algumas categorias têm o porte autorizado somente para quando o servidor estiver em serviço. É o caso dos agentes de trânsito e dos agentes socioeducativos. Para outras, porém, o porte é irrestrito, como parlamentares do Congresso Nacional.
A ampliação do artigo 6º do estatuto não agradou a alguns parlamentares:
— É afogadilho, é perigoso o que está acontecendo. Está-se rasgando o Estatuto do Desarmamento! Vamos deliberar para revogar o estatuto? Talvez esse seja um caminho mais óbvio. Eu respeito os CACs e os clubes de tiro. A maioria é gente séria. Mas o que está acontecendo hoje é um completo desvirtuamento — opinou o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).
Transporte de armas pelos CACs
Outro ponto polêmico do projeto diz respeito ao transporte de armas municiadas pelos atiradores, caçadores e colecionadores. O texto autoriza os CACs a transportarem uma arma curta municiada e pronta para uso no trajeto entre o local de guarda do equipamento e os locais de treinamento, de prova, de competição, de caça ou de abate. Mas, além disso, considera trajeto qualquer itinerário realizado pelo CAC, independentemente do horário — o que foi alvo de questionamentos.
Na reunião de 23 de fevereiro, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) já havia cobrado do relator a mudança no texto. Nessa ocasião, Marcos do Val insistiu na tese de que o transporte municiado é essencial à segurança dos atiradores, até para evitar que as armas de fogo sejam capturadas pelo crime organizado.
O debate foi retomado nesta quarta-feira, e Contarato apresentou uma emenda, a de número 97, que foi aceita por Marcos do Val. A redação sugerida por Contarato traz uma abordagem mais restritiva para o porte de trânsito por parte dos CACs, deixando bem claro que só é válido para o período e o trajeto entre o local de guarda do acervo e o local de treinamento.
Número mínimo de armamento
Outra modificação aceita pelo senador Marcos do Val diz respeito ao limite de armas que podem ser registradas pelos CACs. O texto da Câmara fixava um mínimo de 16 equipamentos e não previa um limite máximo para o arsenal. Depois de ouvir críticas à falta de um limite, o relator propôs que o Comando do Exército determine o quantitativo máximo, “assegurada a quantidade de 16 armas de calibre permitido ou restrito por acervo, das quais 6 poderão ser de calibre restrito”.
Rastreamento de munições
Outra cobrança feita ao relator foi sobre a exigência de rastreamento de munições. O texto aprovado na Câmara dos Deputados dispensa tal exigência ao propor a revogação do artigo 23 do Estatuto do Desarmamento. Marcos do Val havia se comprometido a rever a questão, mas explicou aos colegas que não alterou o texto para não prejudicar os atiradores esportivos.
— Fomos questionados pelos atiradores no sentido de que é impossível, durante a prática de tiro, principalmente no tiro dinâmico, ter que catar as cápsulas que ficam na areia e nas britas e separar qual é de um e qual é de outro. É inviável; é algo que iria realmente fazer com que não houvesse mais essa modalidade — argumentou.
Autodeclaração
Marcos do Val lembrou ainda que atendeu outro pedido do senador Fabiano Contarato ao eliminar do projeto a permissão de regularização de arsenais apenas com a declaração do dono de que os equipamentos teriam origem lícita. Para Contarato, isso seria seria legalizar uma arma ilegal simplesmente pela autodeclaração, o que não é recomendável.
Fonte: Agência Senado