Por Yuri Mourão*
É pouco conhecida a hipótese de Hans-Hermann Hope a respeito das pressões sócio-ambientais que levaram os primeiros humanos a se organizarem em famílias. Em seu ensaio, este economista, da escola austríaca, propôs, sob a ótica econômica, que a instituição família é um produto da propriedade privada. Ou seja, a sociedade se estruturou em torno deste princípio, materializado no que é convencionalmente chamado de família, que para o bom português é a privatização dos rebentos.
Se a família foi a melhor estrutura social encontrada para organizar os agregados humanos em torno de uma sociedade, será que a organização social dentro das famílias também deve ser comandada pelos princípios da propriedade privada, isto é, do capitalismo?
Acredito que, majoritariamente, não. A organização nas famílias deveria tender mais para o chamado comunismo do que para o capital (leia-se comunismo como a socialização dos meios de produção, enquanto o capitalismo a privatização desses meios). Acredito, inclusive, que as extensões do conceito de família, abrangendo mais pessoas, também poderiam apresentar adequação numa proposta comunal. Indo mais longe até, mas não desenvolvendo o pensamento, uma digressão, portanto, as unidades empresariais também tenderiam ter êxito nessa conformação; afinal, o que é uma sociedade anônima?
O que deveríamos considerar como meios de produção em uma unidade familiar? De bate pronto, já poderíamos pensar em toda aquela infraestrutura que garante a manutenção da vida e, por consequência, da renda gerada como, por exemplo, imóvel, transporte, alimentação e etc. Contudo, esses itens já são tratados, na maioria dos casos, como recursos comunais. A família já os repartem e os partilham. Além do mais, não são tão intuitivamente ligados à produção, isto é, a formação da renda. Assim, em partes, isso explicaria a naturalidade do seu compartilhamento. Mas e aquele bem de produção fundamental, indissociável a pessoa: a força de trabalho?
A força de trabalho, ao contrário, é o elemento direto e intuitivamente mais ligado à geração da riqueza, o meio de produção mais óbvio dos núcleos familiares. Este também deveria ser socializado. Mas, seria bizarro pensar numa dinâmica onde a força do trabalho seja socializada. Certa vez li, num texto de Rothbard, no qual descrevia a inviabilidade e imoralidade de uma sociedade construída sobre o credo comunista. Parafrasearei o autor: se cada individuo tivesse o direito de uma fração do seu próximo, no limite, esse mesmo individuo não teria direito de si mesmo, e morreria a míngua pois qualquer ação sua dependeria da aprovação de todos aqueles que possuíssem uma fração sua. Longe de querer descontextualizar o raciocínio do autor, mas não é esse tipo de comunismo que sugiro na organização família. O conceito comunista empregado é, então, mais próximo ao conceito dado por Hope, no mesmo ensaio supracitado, que é o comunismo primitivo. Este se refere quando os resultados do trabalho são conjugados e repartidos de acordo com as necessidades de cada um.
Desse modo, num ponto de vista financeiro, as famílias se dão melhor quando unem receitas, despesas e poupança. Explico em três pontos: planejamento, organização e economias de escala.
Planejamento
O planejamento, materializado no orçamento doméstico, fica completo quando, com a participação conjunta, foca nas prioridades, dando peso maior as preferências, gostos, sonhos, realizações e etc. comum de dois (ou de três, quatro, do tamanho da sua família). O ser individual perde espaço, mas não desaparece! Aqui o bem econômico é o futuro, e o benefício é a cooperação.
É bom ressaltar que a liberdade individual e a autonomia do ser ainda sejam preservadas para o bom funcionamento do sistema. E, no geral, para isso, exigem-se recursos econômicos. Portanto, o orçamento, apesar de privilegiar o comum, deve apresentar espaço para individualismo, para sonhos, entretenimento e afins não compartilhados.
Organização
A organização se refere à maneira de lidar com os assuntos do dia-a-dia, de modo geral, e financeiros, de modo específico. Às vezes, a criação de regras justas e de bom tom pode evitar a compra individualizada de bens, de que de outro modo pesaria no orçamento, como carros, televisores e etc.; unir as contas-correntes (conta conjunta) facilita o controle, assim como a socialização do cartão de crédito, renda em comum tende a ser melhor do que individualizar suas fontes; unir as poupanças aumenta o montante que, por consequência, amplia os resultados, pagar contas do lar com uma renda em comum tende a ser melhor do que alguma regra de proporcionalidade e etc. O bem econômico aqui são os recursos materiais e monetários, o benefício é a eficiência e a socialização dos ganhos e das perdas (interprete perdas como as coisas que se abriram mão pela unidade familiar).
Economia de escala
Finalmente, a economia de escala é a redução de custos gerada pela união. Conta conjunta tende a reduzir os custos e melhorar o relacionamento bancário, unir investimentos reduz percentualmente os custos de transação e dá acesso a melhores produtos, uso comum do cartão de crédito potencializa os programas de fidelização… e por ai vai.
Portanto, como diz Cerbasi, famílias que estendem o “uma só carne” na gestão de seus recursos potencializa seus resultados e incita o companheirismo.
Referencias
A origem da propriedade privada e da família por Hans-Hermann Hope
Casais inteligentes enriquecem juntos por Gustavo Cerbasi
Por uma nova liberdade por Murray Rothbard
*Especialista em Finanças e Controladoria – Ibmec Business School