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sexta-feira, 20 setembro 2024
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Além da reserva de emergência

Por Yuri Mourão*

Sentir-se seguro, quem nunca?

Não dá para deixar de notar que a segurança é uma daquelas ambições humanas das mais desejadas. É tanto que cientistas sociais evidenciaram esse tipo de desejo em nosso comportamento quando de decisões arriscadas (veja Kahneman e Tversky em Escolhas, valores e quadros). A busca pela segurança tem suas vantagem e desvantagem, e o que determinaria em qual lado da balança se está, é a dosagem (para os curiosos, vejam o artigo On the psychology of porverty de Haushofer e Fehr sobre os efeitos da pobreza no psicológico). Neste escrito, tentaremos falar, mais especificamente, de uma instância da segurança mais próxima das famílias: proteção contra as oscilações na renda e/ou despesas.

No mundo das finanças pessoais, é quase sacro a prece sobre a importância da formação da reserva de emergência. Não que ela não seja importante, mas tentando sair do lugar comum, é que a reserva é apenas uma das diversas dimensões de proteção que as famílias têm a sua disposição. E isso se torna ainda mais relevante quando, ao serem aconselhadas, as famílias se sentem com uma dificuldade prática em acumular o nível ideal, estipulado de acordo com alguma fórmula preconcebida (6x dos gastos mensais, por exemplo), ou, quando não, surgem dilemas de alocação entre destinar seus recursos a ela ou a alternativas mais rentáveis, especialmente quando o nível de poupança é baixo frente as alternativas disponíveis. É por esse motivo que pensar em outras formas de se proteger das oscilações do fluxo de caixa familiar se torna interessante para aliviar o esforço da formação daquela reserva.

Assim, dentre outras, pensar sobre a estrutura do orçamento, é pensar também sobre segurança, e um orçamento flexível seria uma opção a se considerar. Este possibilitaria as famílias ajustar seus níveis de gastos concomitantemente aos níveis de sua renda disponível ou fazer realocações emergências quando uma despesa inesperadamente sobe e/ou aparece. Em outras palavras, a flexibilidade é a capacidade de abandonar, quase sem esforço, alguma despesa em qualquer momento como também a mobilidade de transferir recursos de uma categoria de despesa para outra. Porém, tão como a formação das reservas, o desenvolvimento de um orçamento flexível exige um esforço considerável, sobretudo a respeito das mudanças de hábitos de consumo.

 Antes de falarmos sobre esses hábitos; assumiremos, por simplicidade, a impossibilidade do uso dos prazos de pagamento como medida de alívio do fluxo de caixa.

Dito isso, os hábitos de consumo que destacaríamos aqui seriam: gastos concentrados no início do mês, compras parceladas,  obtenção de empréstimos e financiamentos e consumo de subsistência. Falaremos mais deles agora.

Comentaremos primeiro o hábito das compras. Assim, mesmo sendo compras à vista, sair gastando seu salário nos primeiros dias do mês é arriscado. Para reduzir o peso do imprevisto, ter um consumo mais dispersado no mês, se elevando à medida que se aproxima do próximo pagamento, seria mais interessante. Deste modo, o orçamento doméstico, previamente planejado, se desdobraria em uma programação de compras e consumo, seguindo um critério de prioridade e volume. Por exemplo, as categorias menos prioritárias ou necessárias teriam seu consumo agendado para meados da segunda quinzena do mês ou para as categorias mais volumosas em recursos, como as compras de supermercado, além de fazer programações semanais de compras, empurrar para o finalzinho do mês aquelas supérfluas.

O segundo a se comentar seria o aclamado pelos brasileiros: o parcelamento. Toda decisão, especialmente as econômicas, possui um potencial de se estender a períodos posteriores, ou seja, o que decido hoje pode ter consequências amanhã e depois, como exemplo, a parcela a perder de vista. Essas parcelas são nada menos do que as consequências observadas hoje de uma decisão pontual de um presente já então longínquo. E isso tende a enrijecer o orçamento familiar. Tente, como exercício, somar todas as prestações de compras parceladas do mês e dividi-las pelo seu salário; essa razão dará um vislumbre do comprometimento que seu salário está em relação a decisões passadas.

 Outra questão é o empréstimo e financiamento. Eles são figurinhas carimbadas na cultura financeira brasileira. Tem a mesma característica em termos de decisão que as compras parceladas, quando para antecipar desejos de consumo. Além disso, podem também ser usados para complementar desequilíbrio orçamentário. Sem desgastar o assunto, os juros cobrados tendem a comprometer ainda mais o orçamento e a amortização por parcelas constantes, chamada de amortização Prince, tem características indesejáveis para o devedor. Por serem parcelas fixas, em períodos de inflação a sensação de aperto financeiro se torna mais evidente, complementar a isso a tendência em superestimar nosso futuro financeiro também faz dessa modalidade um vilão em potencial. Dito de outra forma, tomar empréstimos ou financiamento torna nosso orçamento menos maleável, menos ainda do que o parcelamento de compras, pois os juros praticados são consideráveis. O mesmo racional que fizemos com as compras parceladas faremos aqui: tente somar todas essas parcelas do mês e dividi-las com o salário.

Um ponto que poderíamos comentar aqui, ou melhor, um agravo que costuma abater as pessoas quando utilizam essas modalidades de pagamento, é o arrependimento da compra, ou seja, quando as pessoas superdimensionam a capacidade do objeto, até então desejado, de satisfazê-las. Aí só resta a herança da decisão: os boletos. Você pode está argumentando aí do outro lado: é só vendê-lo? Supondo que seja possível e que há interessados, a revenda de um objeto já possuído e tratado como seu pode ser um desafio psicológico (efeito de dotação), como será descrito mais adiante.

Portanto, nas questões de formas de pagamentos, priorizar níveis baixos da relação dívidas sobre salário, é reduzir o esforço necessário na formação de reserva de emergência por meio de um orçamento mais flexível.

Por fim, falemos dos gastos com subsistência. Estes são um dos componentes orçamentários mais rígidos. Não apenas por sua característica inerente (sobrevida), mas também por elementos psicológicos. É sabido que temos certa inclinação ao status quo, ou seja, uma preferência e resistência em abandonar o que já estamos acostumados muito em conta da aversão à perda (veja The Endowment Effect, Loss Aversion, and Status Quo Bias), somando a isso há a comparação e validação social dentre outros elementos que intensificam o custo da mudança. Desse modo, o nível que estabelecemos o nosso padrão de vida é de peculiar importância, já que a rigidez começa em nossas cabeças. Por essas e outras, manter um nível racional em consumo de subsistência, dentro de nossas possibilidades e antecipando o menos possível desejos de consumo (parcelando e financiando) é outra maneira de deixarmos nosso orçamento aberto aos imprevistos.

Por essa razão, a definição criteriosa e objetiva de necessidades, a criação de listas de preferências versus necessidades, um planejamento orçamentário baseado em metas de vida e, sobretudo, a consciência da restrição intertemporal orçamentária são pontos que podem ajudar no estabelecimento de um padrão de vida adequado.

Portanto, procurar alterar atos e hábitos de consumo pode servir de complemento ao objetivo de ter segurança e liquidez sem, contudo, exigir grandes esforços na formação da reserva de emergência. Assim, abriríamos espaço, no já limitado, fluxo de caixa para alocações construidoras de riqueza como investimento em educação, na renda variável dentre outros.

*Especialista em Finanças e Controladoria – Ibmec Business School

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