Falamos que deveria haver uma relação íntima entre o preço cotado das ações, no mercado acionário, com a empresa a qual ela se refere. Desse modo, a correlação entre o preço da empresa com os seus resultados é verdadeira e intrínseca. Assim, empresas que aumentam seu lucro, aumentam o seu preço negociado. Pode parecer que essa argumentação é verdadeira apenas no campo teórico, já que no mundo real há preços que oscilam bem mais do que os lucros, há preços e lucros que se movimentam em direções opostas, o frenesi dos preços são mais velozes do que as informações divulgadas pelas empresas e por aí vai. Como conciliar esse comportamento aparente com as proposições teóricas? As proposições teóricas dão conta de toda a explicação? Como interpretar o preço de um modo alternativo, que traga mais insights do que dor de cabeça?
É óbvio que não temos como pretensão de dar respostas absolutas para essas perguntas, nem o arcabouço teórico o tem. Mas se nós não esclarecermos, como uma vela na escuridão, essas perguntas neste artigo, vocês podem me cobrar um cafezinho com pão e manteiga, na chapa.
Antes de trazes supostas respostas para as perguntas levantadas, vamos tentar criar uma base que sustentará o raciocínio, melhor, trazer a infra-estrutura do mercado acionário. O mundo dos negócios com ações se subdivide em dois mercados: o mercado primário e o secundário. O primeiro é uma relação direta entre empresas e investidores; o segundo é uma relação entre investidores. O primeiro é eventual; o segundo é frequente. O primeiro ocorre quando uma empresa emite novas ações e os investidores as compram; o segundo, quando um investidor vende ou compra de outro. Independentemente dessas duas formas; está ocorrendo, simplesmente, uma troca de ativos. Um ativo monetário (dinheiro) por um ativo patrimonial (parte da empresa). Se um conjunto de condições ocorrer, vamos omitir essas condições, as quantidades relativas dessa troca não mudarão com o tempo. Isso na prática significa que se preciso hoje de R$ 100,00 para comprar 10 partes de uma empresa, esses valores se manterão no tempo. Um exemplo ilustrativo para reforçar ainda mais: se compro uma capacidade de produzir 10 pães por hora (estou adquirindo uma padaria, portanto) por R$ 100,00 na data 0 (zero), vou precisar do mesmo montante para comprar a mesma padaria na data 1 (um). É isso que ocorre quando transacionamos no mercado acionário; trocamos um ativo por outro. Mais precisamente, além de trocarmos ativos, trocamos ativos situados em momentos diferentes do tempo. Damos valores monetários hoje para recebermos valores monetários amanhã, graças ao direito de propriedade adquiridos. Portanto, trocamos direitos de propriedade que, a princípio, são constantes no tempo.
Agora, podemos falar das oscilações observadas na bolsa e tentar responder a primeira pergunta. Falamos no parágrafo anterior do mercado secundário, e é ele um dos grandes culpado das oscilações. Ele é como uma grande feira ao ar livre no Paraguai. Aí você já imagina a muvuca de gente e os embates entre compradores e vendedores, vendedores e vendedores e compradores e compradores. Só que os compradores e vendedores da bolsa têm um tipo de inteligência diferente. A todo o momento, eles estão avaliando as empresas. A todo o momento, eles estão estudando e conhecendo as empresas. E esse processo é iterativo, interativo e repetitivo e não necessariamente desemboca num decisão de compra ou venda. Formando uma espécie de inteligência coletiva que acaba se refletindo nos preços. E é aqui o marco da nossa proposição.
Se assumirmos certas hipóteses como simetria no acesso de informações, homogeneidade de expectativas e de horizonte de investimentos dentre outros, teríamos uma situação onde, independentemente do método de avaliação, o valor da empresa em dado ponto no tempo será o mesmo para todos os investidores. Nessa situação hipotética fica fácil de presumir que os dados iniciais ou inputs têm uma importância fundamental no estabelecimento do valor. Se esses inputs pudessem ser categorizados como dados históricos (inclusive os dados atuais públicos e divulgados) e dados esperados (isto é, dados futuros com capacidade preditiva alta pelos analistas), é possível dizer que o único canal de alteração nos valores seria alterações nas expectativas quanto aos dados esperados e/ou quando os dados esperados não ocorreram na prática, ou seja, eles erraram nas previsões (o problema das variáveis ex-ante e ex-post), há ainda a possibilidade de eventos inesperados. Isso porque, os dados históricos já estariam refletidos no valor no momento da avaliação; não tendo mais efeitos posteriores (assumimos a eficiência do mercado). Veja, então, como é a dinâmica da precificação: só é precificado o que não é conhecido. Se, por exemplo, eles tentarem estimar o valor de um dado esperado e eles acertarem 100% essa previsão, o efeito dessa previsão precisa já estará no preço do ativo no momento inicial, no momento da avaliação como o dado histórico. Não gerando efeito sobre o preço quando este dado de fato ocorrer. O mercado é um antecipador. Agora, noutra hipótese, se o dado esperado ocorrer só em parte, ou seja, não houver precisão na previsão, só será precificado, em momento posterior, quando o fato ocorrer, a diferença entre o previsto e o realizado. O mercado só precifica surpresas. Portanto, as oscilações vistas na bolsa se justificam pelas mudanças de expectativas sobre os dados esperados, as surpresas e os imprevistos.
Contudo, Shiller identificou evidências de que as oscilações no mercado não são totalmente explicadas por aquelas razões. Para ele, em alguma medida, as oscilações também podem ser explicadas por modas e modismos; outros estudos, de outros pesquisadores, incluiriam foco excessivamente no curto prazo (aversão míope à perda), heurísticas cognitivas, dificuldade de diferenciar dados temporários de dados recorrentes e etc.
Com todas essas possibilidades de variações nos valores dos ativos na bolsa de valores, alinhado ao tamanho do mercado secundário, a frequência de negociação, não é surpresa o nível frenético no qual são percebidos os preços. É uma feira. Resgatando nosso exemplo da padaria, ela poderia ter a mesma capacidade econômica (produzir pão) a todo o momento, mas ela não necessariamente seria vendida ao mesmo preço. Você poderia está comprando uma produtora de pão a um valor abusivo, muito barato ou pelo preço justo. Esse frenesi todo não significa que o mercado é bagunçado. Ele é inteligente ao precificar; é quase sempre correta a sua avaliação. Mas ele sofre vícios, vícios inerentes a sua própria liquidez. Como alusão, peguemos emprestado o título da música da Elis Regina: o equilibrista e o bêbado. Às vezes o mercado é um equilibrista, oscila em torno de um ponto fundamental (a capacidade econômica da empresa); às vezes, ele é como o bêbado, sai errático, completamente fora de um ponto fundamental. Se fosse para eu apostar, eu diria que ele é bêbado no curto prazo, nos momentos mais turvos, nos discursos da Dilma ou do Bolsonaro.
Há, então, valor informacional nos preços ofertados, ou seja, uma empresa que teve o preço valorizado significa que ela é bem-sucedida ou, ao contrário, uma com desvalorização nos preços é uma perdedora? Esse assunto é polêmico e não vamos desenvolvê-lo aqui. Mas pelo percebido nesse artigo e no anterior, não dá para saber olhando apenas os preços (sem que assumamos alguma hipótese a priori do mercado). Pode ser que sim; pode ser que não.
Mas como poderíamos olhar os preços numa ótica mais interessante e menos especulativa? Assim, entramos na última pergunta proposta.
Como o valor da empresa tem uma relação com sua estrutura, parte do valor tem, necessariamente, que refletir essa estrutura. Ora, pense bem: se eu fosse vender minha padaria hoje, eu venderia seu forno, seu estoque, seu prédio e etc resgatando, parte ou todo, o capital aplicado. Então, parte do preço negociado tem que refletir esse capital aplicado. Outra parte do preço deve refletir aquilo que trouxemos no artigo anterior: seus fluxos de caixa futuros. Pois não compramos os resultados que a empresa teve, compramos os resultados que terá, no futuro.
É razoavelmente fácil separar esses componentes. De uma maneira superficial, se poderia ir ao balanço da empresa em questão e pegar o seu patrimônio liquido. Ao dividirmos pelas as ações em circulação, teríamos o valor contábil por ação. Ainda mais fácil: pegaríamos o indicador, já amplamente divulgado, VPA. Com esse dado, diminuiríamos com o valor cotado do ativo em especial; essa diferença, nós assumimos que é o fluxo de caixa futuro. O VPA, portanto, é a parte do capital aplicado.
Você poderia se perguntar qual é a taxa aplicada ao VPA que daria exatamente aquele fluxo de caixa futuro? Essa taxa encontrada é a taxa de crescimento implícita pelo mercado. Em outras palavras, é o que o mercado espera que os resultados vão crescer num dado intervalo de tempo, digamos, nos próximos 10 anos.
Sabendo dessa taxa, poderíamos nos indagar. Qual é o ROIC que pressupõe essa taxa? Qual o tamanho do esforço de investimento que a empresa deve ter para um dado ROIC? Há níveis históricos para esses números? Será que ela tem mercado suficiente para o tamanho dessa expansão (crescimento)? Será que há alternativas de investimento disponíveis para ela para sustentar essa taxa? E a concorrência permite essa taxa e esse ROIC? A gestão já mostrou capacidade para esse nível de crescimento? Há inovações esperadas? Como essa taxa se compara com a das empresas reconhecidamente vencedoras e lideres?
Perceba que abandonamos, assim, as oscilações para conversarmos sobre potencialidades, focarmos no que interessa a partir do preço. Olhando o preço assim, ganhamos mais como investidores do que as dores de cabeça em tentar descobrir o que motiva as suas flutuações e o que elas dizem ou dirão. Aqui, então, investigamos a sabedoria do mercado e se suas razões são factíveis para aquele preço.
No próximo artigo, falaremos mais sobre essa taxa implícita de crescimento (definida pelo mercado) e até as taxas explicitas de crescimento (geralmente, divulgada pela própria empresa), baseado no artigo Ações de crescimento e o Paradoxo de Petersburgo.
Artigo escrito por: Yuri Mourão – Especialista em Finanças e Controladoria – Ibmec Business School